segunda-feira, 29 de junho de 2009

Black and White


Se daqui a 20 ou 30 anos eu quiser me lembrar de Michael Jackson, tenho certeza de que meu mecanismo interno de busca aos arquivos do ídolo será iniciado pela palavra “sapatilhas”. É bem provável que esta associação não faça qualquer sentido para a imensa maioria das pessoas, mas, ao menos para mim, o cantor sempre estará relacionado a um tipo ordinário de calçado, daqueles que machucam o calcanhar e descolam o solado, ainda que novos.

Sinceramente não consigo ter certeza de que as tais sapatilhas eram réplicas das que foram vistas nos pés de Michael; talvez o simples fato de seu nome ter sido vinculado ao produto – quem sabe por um visionário importador de produtos chineses – já bastou para que a mercadoria vendesse feito água nas bancas de camelô do Rio, naqueles primeiros anos da década de 80.

Após muita insistência ganhei as minhas, e ainda no corredor do prédio, antes mesmo de entrar em casa, percebi que ter os sapatos apropriados não me assegurava nem a terça parte do que seria necessário para fazer o moonwalker. Não descartaria, inclusive, que as bolhas em meu calcanhar tivessem menos a ver com a qualidade das sapatilhas e mais com a perseverança em reproduzir aquela hipnótica forma de dançar.

A historinha serve para ilustrar este período, em que Michael tornou-se para minha geração o que Elvis e os Beatles foram para as anteriores. Entre o lançamento de Off the Wall (1979) , passando por Thriller (1982), até chegar em Bad (1987), não houve quem ameaçasse seu reinado absoluto na esfera da música pop. A bem sucedida parceria com o produtor Quincy Jones rendeu-lhe, entre outros louros, que o segundo disco desta impressionante série se consagrasse como o mais vendido da história da música, algo em torno de 100 milhões de cópias.
Mas os números apenas não seriam suficientes para expressar a hegemonia alcançada por Michael na primeira metade de sua carreira. Basta dizer que depois dele e de Madonna dificilmente alguém conseguirá atingir outra vez este patamar de sucesso, reservado aos seleto clube dos que ascenderam do posto de ídolos ao de mitos.

A estética de seus videoclipes não só instituiu o modelo vigente nas décadas seguintes como também ajudou a avalizar a existência da MTV. Aqui no Brasil, famílias inteiras se reuniam em frente à TV para assistir suas mirabolantes estreias no Fantástico, sempre recheadas de ousadas coreografias e intrigantes efeitos visuais, que culminavam em discussões extensíveis pelos recreios de toda semana.

Nem tinha 30 anos de idade, Michael já experimentava o status de um semideus, ao passo em que evidenciava-se a dependência que a indústria fonográfica desenvolvia em relação a ele. Tanta confiança depositada em seu carisma deve tê-lo distraído de fazer as escolhas certas, porque, daí em diante, seu império só fez declinar, como um castelo de cartas.

A extravagância do peculiar estilo de vida, aliado às manias e à obsessão pela autoimagem aprisionaram-no num personagem, um arremedo simbolizado pelos bizarros contornos que seu rosto assumia. Por trás desta máscara, Michael assistia à degradação de sua música, enquanto tentava resistir a sucessivos escândalos sexuais, bem como aos intermináveis e humilhantes processos de investigação criminal que resultaram em sua completa exposição. Ao logo da década de 90, os fãs do rei do pop precisaram, sobretudo, amá-lo, apesar dele próprio.

Frente a este cenário, Michael demonstrou ter consciência de que precisava desesperadamente desvincular-se da fama de malfeitor de criancinhas para reassumir a alcunha de “Elvis Negro”, que um dia lhe fora atribuída. Não por coincidência casou-se com Lisa Presley, filha do homem, muito embora a união dos dois só tenha servido para reforçar a aura de pouca transparência que sua vida pessoal exalava. Se foi armação para concedê-lo alguma credibilidade, não funcionou. Era tarde demais.

As apresentações que faria na Inglaterra no próximo mês selariam o fim deste nefasto ciclo de quase 20 anos, em que esteve mais presente no noticiário policial do que nas revistas de fofoca. Seria a ressurreição daquele fenomenal Michael Jackson, agora pai de 3 filhos, responsável e preocupado com as finanças, disposto a reaver seu contato com a música e uma parcela do prestígio que um dia teve.

Ontem, no entanto, o destino impediu-o de escrever este capítulo em sua biografia. Nos 40 anos dedicados ao showbusiness conheceu, como ninguém jamais conhecera, tanto a fama quanto seu revés. As circunstâncias de sua morte ainda não foram totalmente esclarecidas, mas há indícios de que o infarto tenha sido consequência do abuso de medicamentos. Assim sendo, Michael reservaria sua vaga no hall de celebridades que morreram de maneira trágica.
A surpreendente notícia – se é que, em seu caso, isto ainda é possível – deixa no ar uma pergunta para as futuras gerações: Michael Jackson será lembrado como o gênio que revolucionou a indústria do entretenimento na segunda metade do século XX, ou como um sujeito desequilibrado, autodestrutivo e atormentado pelas mazelas de sua infância?
Louco ou excêntrico? Culpado ou inocente? Bom ou mau? Afinal, quem foi Michael Jackson? A resposta pode estar na letra de um de seus maiores sucessos: “it don’t matter if you’re black or white”.

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