Se daqui a 20 ou 30 anos eu quiser me lembrar de Michael Jackson, tenho certeza de que meu mecanismo interno de busca aos arquivos do ídolo será iniciado pela palavra “sapatilhas”. É bem provável que esta associação não faça qualquer sentido para a imensa maioria das pessoas, mas, ao menos para mim, o cantor sempre estará relacionado a um tipo ordinário de calçado, daqueles que machucam o calcanhar e descolam o solado, ainda que novos.
Sinceramente não consigo ter certeza de que as tais sapatilhas eram réplicas das que foram vistas nos pés de Michael; talvez o simples fato de seu nome ter sido vinculado ao produto – quem sabe por um visionário importador de produtos chineses – já bastou para que a mercadoria vendesse feito água nas bancas de camelô do Rio, naqueles primeiros anos da década de 80.
Após muita insistência ganhei as minhas, e ainda no corredor do prédio, antes mesmo de entrar em casa, percebi que ter os sapatos apropriados não me assegurava nem a terça parte do que seria necessário para fazer o moonwalker. Não descartaria, inclusive, que as bolhas em meu calcanhar tivessem menos a ver com a qualidade das sapatilhas e mais com a perseverança em reproduzir aquela hipnótica forma de dançar.
A historinha serve para ilustrar este período, em que Michael tornou-se para minha geração o que Elvis e os Beatles foram para as anteriores. Entre o lançamento de Off the Wall (1979) , passando por Thriller (1982), até chegar em Bad (1987), não houve quem ameaçasse seu reinado absoluto na esfera da música pop. A bem sucedida parceria com o produtor Quincy Jones rendeu-lhe, entre outros louros, que o segundo disco desta impressionante série se consagrasse como o mais vendido da história da música, algo em torno de 100 milhões de cópias.
Mas os números apenas não seriam suficientes para expressar a hegemonia alcançada por Michael na primeira metade de sua carreira. Basta dizer que depois dele e de Madonna dificilmente alguém conseguirá atingir outra vez este patamar de sucesso, reservado aos seleto clube dos que ascenderam do posto de ídolos ao de mitos.
Mas os números apenas não seriam suficientes para expressar a hegemonia alcançada por Michael na primeira metade de sua carreira. Basta dizer que depois dele e de Madonna dificilmente alguém conseguirá atingir outra vez este patamar de sucesso, reservado aos seleto clube dos que ascenderam do posto de ídolos ao de mitos.
A estética de seus videoclipes não só instituiu o modelo vigente nas décadas seguintes como também ajudou a avalizar a existência da MTV. Aqui no Brasil, famílias inteiras se reuniam em frente à TV para assistir suas mirabolantes estreias no Fantástico, sempre recheadas de ousadas coreografias e intrigantes efeitos visuais, que culminavam em discussões extensíveis pelos recreios de toda semana.
Nem tinha 30 anos de idade, Michael já experimentava o status de um semideus, ao passo em que evidenciava-se a dependência que a indústria fonográfica desenvolvia em relação a ele. Tanta confiança depositada em seu carisma deve tê-lo distraído de fazer as escolhas certas, porque, daí em diante, seu império só fez declinar, como um castelo de cartas.
A extravagância do peculiar estilo de vida, aliado às manias e à obsessão pela autoimagem aprisionaram-no num personagem, um arremedo simbolizado pelos bizarros contornos que seu rosto assumia. Por trás desta máscara, Michael assistia à degradação de sua música, enquanto tentava resistir a sucessivos escândalos sexuais, bem como aos intermináveis e humilhantes processos de investigação criminal que resultaram em sua completa exposição. Ao logo da década de 90, os fãs do rei do pop precisaram, sobretudo, amá-lo, apesar dele próprio.
Frente a este cenário, Michael demonstrou ter consciência de que precisava desesperadamente desvincular-se da fama de malfeitor de criancinhas para reassumir a alcunha de “Elvis Negro”, que um dia lhe fora atribuída. Não por coincidência casou-se com Lisa Presley, filha do homem, muito embora a união dos dois só tenha servido para reforçar a aura de pouca transparência que sua vida pessoal exalava. Se foi armação para concedê-lo alguma credibilidade, não funcionou. Era tarde demais.
As apresentações que faria na Inglaterra no próximo mês selariam o fim deste nefasto ciclo de quase 20 anos, em que esteve mais presente no noticiário policial do que nas revistas de fofoca. Seria a ressurreição daquele fenomenal Michael Jackson, agora pai de 3 filhos, responsável e preocupado com as finanças, disposto a reaver seu contato com a música e uma parcela do prestígio que um dia teve.
Ontem, no entanto, o destino impediu-o de escrever este capítulo em sua biografia. Nos 40 anos dedicados ao showbusiness conheceu, como ninguém jamais conhecera, tanto a fama quanto seu revés. As circunstâncias de sua morte ainda não foram totalmente esclarecidas, mas há indícios de que o infarto tenha sido consequência do abuso de medicamentos. Assim sendo, Michael reservaria sua vaga no hall de celebridades que morreram de maneira trágica.
A surpreendente notícia – se é que, em seu caso, isto ainda é possível – deixa no ar uma pergunta para as futuras gerações: Michael Jackson será lembrado como o gênio que revolucionou a indústria do entretenimento na segunda metade do século XX, ou como um sujeito desequilibrado, autodestrutivo e atormentado pelas mazelas de sua infância?
Louco ou excêntrico? Culpado ou inocente? Bom ou mau? Afinal, quem foi Michael Jackson? A resposta pode estar na letra de um de seus maiores sucessos: “it don’t matter if you’re black or white”.
Copiado do Instante Posterior
Nenhum comentário:
Postar um comentário