
Quem, como eu, precisa contar histórias para crianças dormirem, já  deve ter notado que não basta se ater ao que está escrito no livros;  eventualmente, é preciso também improvisar. Quando não é a repetição  incessante dos mesmos enredos que faz o próprio narrador cair no sono, é  a alusão a termos e hábitos pouco comuns atualmente que acabam  confundindo e dispersando os pequenos.
Como, por exemplo, em tempos de Facebook, fazer uma criança aceitar  que o príncipe precisou saiu por aí calçando um sapato perdido em todas  as mulheres do reino até encontrar a Cinderela, ou que João e Maria não  tinham um telefone celular capaz de ligar para um tio que os ajudasse a  sair da floresta? Pois bem, para manter o interesse das crianças até que  o sono chegue, minha receita é adicionar às clássicas narrativas  elementos do cotidiano, que as façam soar um pouco mais familiares.  Tendo como base esse conceito, fiquei pensando como seriam algumas das  principais historinhas de nossa infância, caso se passassem nos dias de  hoje:
Branca de Neve
Ao chegarem à festa de lançamento de uma grife de cosméticos assinada  por Paris Hilton, duas ex-BBBs se percebem na constrangedora situação  de trajar vestidos idênticos; inconformada com a própria sorte – e  desejando intensamente fazer seu par de jarra desaparecer – uma delas  tem a sórdida (e brilhante) ideia de macerar quatro comprimidos do  antidepressivo que lhe fora prescrito após sua eliminação do programa no  Apple Martini da rival.
Após bebericar o drinque, a pobre moça começa a sentir-se muito mal e  decide sair da boate para tomar um pouco de ar fresco. Desorientada,  segue trocando as pernas pelas ruas, até tombar debaixo de um viaduto  onde é “acolhida” por sete meninos de rua que vivem no local. Pensando  que a bela estivesse morta, eles resolvem depenar seus pertences e  colocá-la deitada sob o banco de uma praça próxima dali, a fim de  eliminar qualquer possibilidade do crime ser atribuído ao grupo.
Por coincidência, um rico empresário que passava de carro reconhece a  “celebridade” e decide acompanhá-la ao hospital. A partir do episódio,  os dois iniciam um namoro, e a moça envenenada, ao dividir a triste  história com o público de um programa de TV vespertino de cunho  sensacionalista, acaba conseguindo realizar seu maior sonho: posar para a  capa da principal revista masculina brasileira.
Três Porquinhos
Três estudantes universitários resolvem criar juntos um site de  compras coletivas que, em poucos meses, obtém enorme sucesso. De olho no  potencial de crescimento do negócio, a Lobo S.A, holding do ramo de  entretenimento, parte com unhas e dentes para cima da pequena sociedade,  com o intuito de agregá-la ao rol de empresas do grupo.
O primeiro estudante, pouco afeito a negócios, vende sua parte por  quantia irrisória, revertida numa viagem de ônibus pela América do Sul. O  segundo estudante, ganancioso porém sem visão comercial, contenta-se  com um pequeno lote de ações da futura empresa. Mas o terceiro  estudante, esperto que só, contrata um time de advogados experientes em  fusões de conglomerados, que não só conseguem anular os contratos  assinados pelos ex-sócios, mas também reunir um dossiê que culmina com a  condenação da Lobo S.A por sonegação fiscal.
Patinho Feio
Nascido numa família de origem humilde, em meio a seis irmãos, um  adolescente sofre, apenas por não ser como todos os outros de seu  bairro. Enquanto os meninos de sua idade jogam bola no campinho de  terra, frequentam bailes funk e assistem a lutas de UFC pela TV, o  protagonista dessa história alisa as madeixas com chapinha, só sai  maquiado, veste preto dos pés a cabeça – mesmo em dias de sol escaldante  – e chora quando ouve músicas românticas.
Tanto em casa quanto na escola, o sensível rapaz é vítima das mais  perversas formas de bullying, o que, de certa maneira, determina seu  caráter introvertido e refratário. Convencido de que nunca seria deixado  em paz por seus algozes, o adolescente resolve então sair pelo mundo em  busca de seu lugar. Após semanas perambulando pela cidade, dormindo em  sarjetas que encrespavam sua franja e se alimentando da caridade alheia,  nosso herói se depara com o cartaz de um concurso vagabundo de  talentos.
Concorrendo pelo prêmio de R$30,00 com um homem que enfiava pregos no  nariz e outro que contava piadas sem dentadura, o adolescente franzino  sobe sob o caixote diante da diminuta plateia para entoar um cover do  Simple Plan. Como num passe de mágica, o patinho feio transforma-se num  cisne-emo, numa performance arrebatadora de canto e lágrimas que  emociona os presentes. Por sorte, um deles era o executivo de uma grande  gravadora, que enxergou no rapaz um raro talento a ser lapidado.
Bom, se porventura alguém tiver gostado destas versões, sintam-se a  vontade para passá-las a diante. Só não me responsabilizo por possíveis  pesadelos.
Fonte: http://g1.globo.com/platb/instanteposterior/