segunda-feira, 27 de abril de 2009

Quem vai pagar o pato?

É muito provável que você já tenha ouvido falar de Susan Boyle, a feia e desengonçada candidata de um programa de calouros da TV britânica que tornou-se celebridade mundial em menos de uma semana. A escocesa de hábitos simples e aparência rude –cujo aspecto mais a aproxima de uma personagem da turma do Asterix- protagoniza um conto de fadas particular, agora observada de perto por seus recém-conquistados milhões de fãs.

O talento de Susan revelou-se para mim através do diminuto retângulo que se faz de uma janela do Youtube. Ainda que, a altura, aquela voz se propagasse pelos autofalantes do laptop, foi espantoso perceber seu extraordinário carisma, suficiente para emocionar até mesmo os menos sensíveis ouvidos e corações. A apresentação que pode de fato ter alterado o rumo da vida desta jovem senhora não se transformou em sucesso instantâneo por acaso.


Susan caiu nas graças de todos porque não dava indícios de ser uma forte concorrente. Nota-se que não havia estratégia a ser seguida, discurso ensaiado ou qualquer um destes artifícios em que os calouros costumam basear suas apresentações. Ela parecia não ter a mínima consciência de que a brejeirice provinciana, aliada à sua figura gorducha e atarracada, despertaria qualquer tipo de simpatia no público. A falta de desenvoltura concede a impressão de estar ali mais por insistência dos amigos do que por vontade própria.


O que, no entanto, ficou muito claro desde o início foi a velha e conhecida lógica da atração televisiva; “Britain’s Got Talent” aponta para o escracho e se vale de candidatos esquisitos, bem como de suas risíveis pretensões e falta de bom senso, para alavancar audiência. Além da tradicional bancada, geralmente composta por personalidades musicais impiedosas, há ainda dois humoristas atentos a qualquer oportunidade que surja para desdenhar dos pretensos cantores.
Frente à tragédia anunciada, Susan passou plena, de regra à enorme exceção. A genuinidade de sua relação com a música interpretada neutralizaram todos os papéis a serem desempenhados naquela noite; humoristas, produtores rabugentos e plateia histérica simplesmente se calaram, estupefatos, para ouvi-la cantar. Houve quem chorasse, talvez de remorso, e me pareceu sincero o desabafo da jurada da competição, reconhecendo o usual cinismo.


No vídeo ficou registrado algo capaz de transcender a aclamação recebida por tantos outros candidatos que, como ela, surpreenderam telespectadores sedentos pela humilhação alheia. Mais do que vencer o preconceito que lhe rendeu risadas assim que pisou no palco, a caloura forneceu a todos nós uma inesquecível lição: a de que ainda é possível acreditar na pureza. Arrisco-me até a dizer que esta é a principal razão pela qual sua performance já contabiliza dezenas de milhões de acessos na web.
Hoje ligo a TV e me deparo com imagens de Susan em seu vilarejo, na porta de casa, atendendo à imprensa. Já se sabe que ela teria assinado contrato para gravar um disco, e que nunca beijou na boca. Vislumbrando as possibilidades comerciais inerentes ao seu sucesso, uma produtora de filmes pornô ofereceu um milhão de dólares para que a caloura perca a virgindade diante das câmeras.


E o que vem depois? Susan grava um disco, passa a se apresentar pelos quatro cantos do planeta, ganha algum dinheiro. Participa de um daqueles programa que a fará parecer dez anos mais jovem, muda o cabelo, joga as roupas fora. Arrumam-lhe namorado e amigos influentes e, de repente, não se sabe mais dela. Quando Susan deixar de ser patinho feio para se transformar em cisne, acabou toda a graça. Pergunto-me se existe alguma chance de resistir à tentação de se tornar aquilo que os outros querem que ela seja. Infelizmente acho que não.


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