quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Como o diabo gosta

Por Bruno Medina


Muitos dos que leram “Budapeste”, de Chico Buarque, devem lembrar-se da passagem em que o autor descreve o idioma húngaro como “a única língua que o diabo respeita”; entretanto, assim como eu, também muitos devem ter ficado curiosos: mas o que deve pensar o diabo sobre nosso estimado português? Longe de mim contestar uma afirmação do consagrado artista, ou, pior, o crivo linguístico do próprio diabo, Deus me livre, mas se o húngaro exige respeito, convenhamos que o português é digno, no mínimo, de cautela.

Afinal, se por um lado a riqueza de sua morfologia, a diversidade de seus vocábulos, a precisão de seus tempos verbais e a poesia de sua sintaxe são valores exaltados pelos entusiastas, por outro, coincidem com um desafio diário, enfrentado por milhões de pessoas nos cinco continentes: estes que, como nós, dependem de um idioma belíssimo – porém repleto de armadilhas e pormenores – para se fazer entender.

Exemplos são notórios e abundantes, e estou certo que cada um de vocês têm ao menos meia dúzia de indignações com a língua pátria para manifestar. Algo do tipo, por que “certo” se escreve com “c” e “assertivo” com “ss”, ou qual a razão (a não ser confundir vestibulandos nervosos) de “iminência” e “eminência”, “sessão” e “seção”, “acento” e “assento” terem grafias tão parecidas, ainda que possuam significados tão distintos?

O tema dá muito pano para a manga, eu sei. Reclamar da dificuldade do português é praticamente como chutar cachorro morto, mas peço atenção para uma classificação menos óbvia, nem por isso menos importante: aquelas palavras que, apesar de grafia e pronuncia estarem corretas, sempre aparentam estar erradas.

Como assim?

Eu explico. Analisemos a palavra “mendigo”. Diga-a em voz alta. De novo. Isso, não tenha vergonha do vai pensar quem estiver perto, grite, sem medo: “mendigo”! Percebem o erro de projeto? Tentem “mendiNgo”. Que conforto dá esse “N” que não existe, né? Não é à toa que tanta gente prefere pronunciar dessa maneira.

Mesmo caso de “estupro”. Tudo bem que o termo pede essa força, pede a repulsa, o fora do lugar, mas a gente sabe que o “R” não deveria estar aí. Outra palavra cuja voz (equivocada) do povo consagrou.“EstRupo”, e quem vai dizer que não é? Não muito diferente é “cadarço”, só que o porém é esse “R” aí no meio, que não precisava existir. Olha, taí uma palavra que muita gente boa pronuncia errado, pelo simples motivo de não acreditar que um tênis tenha que ser amarrado por algo tão chato de se dizer.

E que tal “basculante”, ou seja, janela com movimento de básculco, a típica janela de banheiro? Não restam dúvidas de que sua origem está justificada, mas não dava pra designar um termo melhor? Porque o original soa como uma Kombi sem amortecedores subindo uma ladeira. “Basculate” ou “Basculhame” também são péssimos, mas já seriam mais fáceis de colocar numa frase…

Agora me passou pela cabeça um pensamento terrível, uma dúvida à altura dos mais capacitados linguistas. Imaginem qual deve ser o correspondente de “basculante” em húngaro?

Um comentário:

Anônimo disse...

Quanta bobagem que acabei de ler. Se as pessoas se prestassem a pensar os problemas sociais brasileiros, por exemplo, já poderíamos ser um país melhor.