Diz-se por aí – e até hoje não houve motivos para discordar - que a única verdade absoluta inerente à vida é a certeza de que, cedo ou tarde, todos vamos bater as botas. Perdoem a aparente morbidez do tema, mas devo desde já admitir que considero sensato (e até saudável) o empenho de evitar os tabus relacionados à morte.
Humanos, e por natureza imperfeitos, alguns de nós preferem viver à sombra de sua capa negra, à espera da fatídica jogada, ao invés de aproveitar da melhor maneira possível os dias a que temod direito. Ao longo dos séculos, nossa obsessão evidencia-se pela extensa produção artística e filosófica dedicada ao assunto, onde seguramente se inserem as mais relevantes obras já criadas pelo homem.
Se não se enquadra na categoria descrita acima, José Martí, escritor, poeta e líder nacionalista cubano, ao menos colaborou para dar leveza à questão. Atribui-se a ele a ideia de que nenhuma existência terá sido em vão caso atenda a apenas três exigências: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Com base na simplicidade e popularidade de tais preceitos é razoável imaginar que muita gente deva ter partido desta para uma melhor com a sensação de dever cumprido graças ao sujeito.
Tendo como referência o que foi proposto por Martí, alguns anos atrás a revista americana Forbes criou a sua versão da lista. Muito embora a publicação seja conhecida por divulgar quem são os indivíduos mais ricos e poderosos do planeta, resolvi dar-lhe crédito e submeter minhas melhores e mais estimadas vivências aos critérios propostos, só pra ver que bicho dá. Posto isto, vamos a eles:
1. Fazer uma ‘Pilgrimage’. O termo é utilizado para definir uma longa jornada, ou a viagem que coincide com uma busca de grande valor moral. Os destinos que primeiro vêm à mente são Jerusalém, Roma, Meca ou Santiago de Compostela. Em meu favor, só posso assinalar passagens pela Basílica de Aparecida e pelo Cristo Redentor, mas creio que para os editores da publicação estes lugares não contemplam o sentido pretendido. Comecei mal.
2. Memorizar um poema e passá-lo a diante. Essa é pra recuperar, está fácil. Não me lembro ao certo da ocasião, mas com certeza já apliquei o artifício a alguma pretendente durante a adolescência. Um dos poemas escolhidos foi este, do Mário Quintana, “coração que bate-bate / Antes deixes de bater! / Só num relógio é que as horas / Vão passando sem sofrer”. Próxima.
3. Escalar sua própria montanha. Pelo que entendi, o significado é transpor uma dificuldade, vencer um desafio. Faço isso toda vez em que me apresento em público ou estou diante das câmeras.
4. Fazer uma refeição boa o suficiente para ser sua última. Tenho que pensar… não sei se a circunstância contribuiu (dia livre numa cidade tediosa) , mas em minha última passagem por Portugal comi um prato divino; o restaurante era do tipo familiar, localizado num povoado de uns 5 mil habitantes. Polvo à vinagrete com batatas ao murro pode não ser uma pedida muito popular mas, acreditem, na ocasião era o manjar dos deuses.
5. Ter um inimigo mortal. Este item está aqui porque ter um opositor veemente é uma forma de comprovar a firmeza de suas convicções. Vou ficar devendo, não sou muito de guardar rancor.
6. Perdoar alguém. Pela mesma razão anterior, digo que sim, perdoei muitas vezes. Para citar um caso, lembro-me de que certa vez meu irmão escreveu na tampa da caixa do Jogo da Vida que eu havia roubado na roleta, e ainda pôs a data! Roubar no “jogo da vida”? Quem iria querer carregar essa mácula? A mentira ficou perpetuada e sempre que jogávamos com amigos eu precisava me defender da injúria. Apesar das constantes humilhações, perdoei.
7. Ver por você mesmo que a Terra é redonda. Não sou nenhum Amyr Klink mas, para alguém da minha idade, até que já viajei bastante. Não tanto quanto gostaria, tenho tempo ainda. Vou me dar meio ponto nessa.
8. Levar alguém que ama a ‘Camera degli Sposi’ . Trata-se de uma sala do Palácio Ducal, na Itália, ostensivamente decorada por pinturas e afrescos. Nunca estive lá, no entanto posso me gabar de ter conhecido Mona Lisa, Guernica, os quadros de Van Gogh e os da fase negra do Goya. Sempre sozinho. Será que vale meio ponto também?
9. Desafiar a gravidade. Sendo esta uma lei imutável da física, minha interpretação aponta para quem é ou foi rebelde sem causa ou vivenciou alguma experiência ultrarradical. Já viajei de teco-teco, de barquinho em meio a tempestade, cruzei ponte prestes a cair, mas nunca por vontade própria. Então, seria incorreto afirmar que desafiei a gravidade, assim, deliberadamente.
10. Deixar que alguém aproveite a chance que você perdeu. Essa está guardada para o meu filho.
É chegada a hora da contabilidade. Das dez coisas para se fazer antes de morrer, contando os meio pontos, vou considerar já ter feito cinco. Confesso que, a esta altura da vida, ficaria preocupado se tivesse passado de sete. Para os supersticiosos, uma dica: pensando bem, talvez o único jeito de retardar o “xeque-mate” seja deixar a lista sempre incompleta.
É chegada a hora da contabilidade. Das dez coisas para se fazer antes de morrer, contando os meio pontos, vou considerar já ter feito cinco. Confesso que, a esta altura da vida, ficaria preocupado se tivesse passado de sete. Para os supersticiosos, uma dica: pensando bem, talvez o único jeito de retardar o “xeque-mate” seja deixar a lista sempre incompleta.
peguei em: http://colunas.g1.com.br/instanteposterior/
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